“As câmaras têm que fazer com que a vivência nas cidades não se deteriore”
Na sua primeira entrevista ao Publituris como presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), Raul Martins afirma que é preciso olhar para a sobrecarga dos centros da cidades de Lisboa e Porto. Fala ainda dos projectos onde será aplicada a verba decorrente da taxa turística de Lisboa. Qual é a real situação financeira dos… Continue reading “As câmaras têm que fazer com que a vivência nas cidades não se deteriore”
Carina Monteiro
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Na sua primeira entrevista ao Publituris como presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), Raul Martins afirma que é preciso olhar para a sobrecarga dos centros da cidades de Lisboa e Porto. Fala ainda dos projectos onde será aplicada a verba decorrente da taxa turística de Lisboa.
Qual é a real situação financeira dos hotéis? Os hotéis já estão a subir a sua rentabilidade e já estão a ganhar dinheiro?
Há que distinguir a exploração dos hotéis do investimento. Não há dúvida que os hotéis em termos de exploração estão a ganhar dinheiro. O que não está ainda a ser suficiente é o pagamento do investimento, porque os preços em Portugal ainda estão baixos e as ocupações, em alguns casos, ainda estão baixas. Lisboa tem uma ocupação boa, o Algarve ultrapassou uma situação muito complicada e o Porto está em crescimento, o Centro tem preços muito baixos. Portanto, para termos uma melhor rentabilidade não basta aumentar a ocupação, temos de aumentar o preço.
Isso já está a começar a acontecer?
Sim, mas era importante que os hotéis portugueses se convencessem que têm um bom produto. Estamos agora a ser descobertos por um conjunto de circunstâncias que ocorreram. O mundo, em geral, e a Europa em particular, passou a olhar para o destino Portugal de uma forma diferente e quando descobriu esse destino chegou à conclusão que valia a pena. No fundo, dizendo de uma forma mais simples: é bom e é barato.
Então o que falta para aumentar os preços?
Os hoteleiros convencerem-se de que valem mais. É evidente que Madrid, Barcelona serão sempre mais caras do que Lisboa, mas estamos muito aquém dos valores que são o nosso ‘benchmarketing’. Temos, de uma vez por todas, que perceber e acreditar que temos um bom produto. Lisboa não tem de se comparar com o Porto, Lisboa tem de se comparar com Barcelona, o Porto tem de se comparar com Bilbao, em vez de nos compararmos internamente. Temos de olhar para fora e compararmo-nos com o que existe. Se este ano não tiver o mês de Maio do próximo ano preenchido, não tenho de ficar preocupado, nem com o mês de Maio, nem com o mês de Outubro. Os hoteleiros do Algarve não têm de estar preocupados se não estão cheios em Junho, Julho e Agosto, porque vão estar sempre cheios. Aí é muito importante o e-commerce. Portanto, temos que perceber e acreditar que o nosso produto está subvalorizado, valemos mais. O preço tem estado a subir, mas há mais para crescer. Precisamos disso para tornar os investimentos rentáveis. Temos de melhorar os nossos preços, porque a procura existe e temos de aumentar esses preços nas épocas altas.
O que é que impactou mais a actividade dos hotéis nos últimos anos: a crise financeira, endividamento, aumento da oferta ou surgimento de novas ofertas de alojamento?
A situação do aumento das taxas de juro em 2009/2013 teve um impacto muito grande nos investimentos, várias unidades tiveram de ser alienadas, por força da intervenção do Banco de Portugal junto dos bancos. Esse é um capítulo que não é tão importante nestes últimos três anos. Portugal cresceu em volume – passámos a ter mais oferta -, mesmo assim aumentámos a ocupação e o preço, mas essa situação não foi suficiente porque se compararmos 2007 com 2015, ainda não atingimos o preço médio de 2007, quando o preço médio quase que devia ter duplicado. Apesar da estrutura da oferta não ser hoje em dia a mesma, estamos aquém de 2007, mesmo o Alojamento Local tem espaço para vender mais caro.
ALOJAMENTO LOCAL
Disse na tomada de posse que a AHP está confiante que nos diplomas que vão ser revistos pelo Governo vão ser introduzidos os ajustamentos que atendam e respondam a estes novos desafios. É imprescindível intervir sobre a regulação do alojamento local. O que é que é preciso mudar?
Há dois parâmetros que já foram analisados noutras cidades, mas que em Portugal, nomeadamente em Lisboa e no Algarve, não estão valorizados. Primeiro, é inaceitável que exista alojamento local em prédios de habitação. Se tivermos um edifício que seja todo alojamento local, não há nada contra. É evidente que os condomínios podem não autorizar o alojamento local. Mas era importante que houvesse uma regulação geral em que fosse necessária a autorização do condomínio para haver alojamento local em edifícios de habitação. (…) O alojamento local tem um uso completamente desarticulado com a habitação normal. O resultado é que estas pessoas estão a ficar contra o Turismo em geral. Ora se um alojamento for todo num edifício não há problema relativamente a isso. Há outro aspecto importante. Os Planos Directores Municipais têm índices de número de residentes por hectares. Vamos supor que num hectare há mil habitações e por cada habitação há duas pessoas. Portanto, naquele espaço há duas mil pessoas. Agora vamos supor que essas mil habitações passam todas a alojamento local e vamos imaginar que estão seis pessoas em cada alojamento local. Agora em vez de termos duas mil pessoas naquele território, temos doze mil. Em termos urbanos, tem de haver um limite para essas situações. O mesmo serve para os hotéis. Os hotéis também devem ser condicionados a essa carga urbana. Barcelona, no “casco” urbano, já não pode construir mais hotéis. Lisboa e Porto têm de olhar para a situação da capacidade urbana. Isto é válido tanto para os hotéis, como para o alojamento local. Portanto, as câmaras têm que fazer com que a vivência nas cidades não se deteriore. Dizia-se que Lisboa afinal tinha o centro desertificado e agora está cheio de alojamento local, é fantástico. Sim, mas não podemos deixar de controlar minimamente as coisas, porque se for a Barcelona na Páscoa, não consegue andar. Hoje Barcelona tem a consciência que está a atingir os seus limites.
A AHP já apresentou a sua proposta à tutela para rever este diploma?
A AHP apresentou a sua proposta ao anterior secretário de Estado há mais de um ano e o anterior governo e o SET não queriam ouvir o sector. Inclusivamente quem tem um hostel também acha que estas situações não estão correctas. Não é uma questão de concorrência, essa não é a primeira questão aqui, quem vem para os hotéis quer uma coisa, quem vem para os alojamentos locais quer outra, não é o mesmo perfil de cliente. Não queremos é que os habitantes não queiram cá turistas por causa do alojamento local.
Que leitura é que faz quando se diz que as cidades e os centros históricos estão a ser invadidos por hotéis?
Hoje em dia, por força do alojamento local, a população diz: “Não queremos mais turistas”. O nosso entendimento é que deve haver, dentro dos tais parâmetros de densidade habitacional, um equilíbrio. Se me disser: vamos transformar a zona da Baixa toda em hotéis, não estou de acordo. Há dois anos que não se pode fazer hotéis no centro histórico de Barcelona. Lisboa devia fazer o mesmo agora. Há um erro de partida dizer que a habitação e hotéis é a mesma coisa. Está errado. Dizer que num sítio aprovado para habitação pode ser um hotel, não é verdade e resulta em exageros. Se cada um fizer aquilo que quiser, o liberalismo levado à sua extrema consequência chama-se anarquia. Para não haver a tal anarquia urbanística, a câmara tem de regular e dizer que na Baixa não pode haver mais do que 50% das áreas destinadas a hotéis ou alojamento local. Há que haver um limite. A cidade não pode estar formada em guetos. Hoje o urbanismo já não está nesta situação. O que interessa é ter no mesmo sítio todas as funções. O que digo é que temos de ter limite para os hotéis e alojamento local na zona histórica.
Chegámos a esse ponto em Lisboa?
Chegámos, basta ir em Agosto à Rua Augusta.
TUTELA
Qual é a sua opinião sobre estes primeiros meses de governação da secretária de Estado do Turismo?
A secretária de Estado do Turismo teve pouco tempo para fazer, mas o que fez, fez bem. Ficámos agradados com este protocolo bancário para a requalificação dos hotéis, porque os hotéis, por força da crise, têm dificuldade em recorrer à banca. A banca só empresta dinheiro no curto prazo, por isso, com estes protocolos um hotel ter melhores condições e cobrar mais e, portanto, acho que esse protocolo foi muito importante. Sabemos que estão outras coisas em preparação, nomeadamente a capacidade dos Fundos de Turismo para apoiar renovações. O Portugal 2020 dá um bom apoio às regiões de convergência. Em relação ao Algarve, a Lisboa, ou à Madeira, há unidades que precisam de renovação. O Portugal 2020 é pior para o Algarve, Lisboa e Madeira, do que era o QREN, tem muito pouca disponibilidade e isso é uma coisa que temos de reclamar junto da Comissão Europeia.
Também disse na tomada de posse que querem ter mais participação na promoção de Portugal.
Claro, as Regiões de Turismo através das agências de Turismo já o têm. Foi uma modificação na orgânica do Turismo que foi benéfica nesse aspecto. Mas nós queremos ser ouvidos na promoção para não surgirem campanhas com grandes cartazes onde se gastam milhões, mas que não dão resultado. Para nós é muito importante o aumento do fluxo turístico e mais do que fazer uma publicidade directa nos jornais ou televisões, queremos é que os fluxos turísticos sejam promovidos, sabemos que hoje as companhias low cost são apoiadas quando fazem novas rotas, achamos que essa é uma via que continua a ser válida para todos os aeroportos. A outra vertente válida é apoiar e trazer eventos para Portugal. O Web Summit é uma pedrada no charco. É um evento fantástico, que traz imensa gente, numa altura (Novembro), em que Portugal não está na sua máxima ocupação. Não podemos esquecer que Lisboa teve as suas melhores receitas aquando da EXPO e do Euro 2004. Precisamos cada vez mais de eventos e, se forem anuais, tanto melhor.
TAXAS TURÍSTICAS
Em Lisboa a taxa turística está a ser aplicada desde o início do ano. Quando é vamos saber em que projectos a verba vai ser aplicada? Neste momento existem dois projectos que a Câmara Municipal de Lisboa consignou para serem feitos com a taxa turística. Ou seja, a frente entre o Cais do Sodré e o Campo das Cebolas e os meios de acesso ao castelo. São dois projectos com que a AHP está de acordo. Há outros que estão na calha e que vão ser agora objecto da decisão do Comité de Investimento.
Esse comité está a funcionar?
Vai começar a funcionar. O comité de investimento tem neste momento três fundadores: a CML, a AHP e a ATL, e vai ter o máximo de sete. Na próxima reunião vão ser definidos quem são os outros parceiros. Estes fundadores vão convidar outros parceiros. Serão parceiros aqueles que, de alguma forma, contribuem com a cobrança da taxa. Para a AHP há algum projecto que devia ser feito com as verbas desta taxa? Sim, o Museu dos Descobrimentos, que devia ser considerado, e a renovação da zona de Belém, que é uma zona histórica e que precisa de renovação em termos de infraestruturas. Consideramos que é muito importante também a colocação de câmaras de vigilância. A prevenção é a melhor forma de mantermos a qualidade. Vamos levantar a questão junto do comité. É uma forma de protegermos os turistas.
A AHP vai ser contra qualquer taxa que não siga este modelo. Tem conhecimento de mais alguma autarquia que pretenda introduzir? A última situação que temos conhecimento é a de Vila Real de Santo António, que quer fazer um pavilhão gimnodesportivo e que quer fazer promoção. A promoção está centrada nas agências regionais de Turismo. O pavilhão gimnodesportivo contribuir para o Turismo? Não podemos aceitar estas situações.
Vão agir com uma providência cautelar como fizeram em Aveiro?
A AHP está disponível para discutir e encontrar soluções que possam justificar essa situação. Não somos muito apologistas da parte judicial. Julgamos que a parte política deve resolver estas situações. É importante que os hoteleiros se manifestem contra esta situação e, se não estiverem de acordo, não paguem.
E no Porto?
O princípio é sempre o mesmo. Coimbra acaba de inaugurar um centro de congressos fantástico, mas não tem taxa turística, foi através de outras verbas. O que não achamos bem é pensar uma taxa turística sem o acordo do sector local.
Como é que vai ser o ano de 2016 para a hotelaria?
Os crescimentos mundiais previstos são entre 4 e 6%, em termos de facturação. Temos confiança nesses números, porque as reservas que temos agora levam a pensar que certamente essa percentagem será maior.
Julga que este crescimento se vai manter nos próximos anos?
Esse é o nosso desafio. Dizemos que temos uma potência instalada que não está suficientemente aproveitada, a nível nacional não chegamos aos 60% da ocupação e, portanto, precisamos da tal promoção e do transporte aéreo para termos mais pessoas. Temos de nos habituar a ter os grandes eventos não na época alta. O problema de Portugal é que a época baixa é muito baixa e é aí que a promoção se torna muito importante para trazer mais pessoas.
FLEXIBILIZAÇÃO LABORAL
Um sector será tão ou mais competitivo quanto forem os seus recursos humanos. A hotelaria está a conseguir atrair RH qualificados? Hoje em dia na hotelaria praticamente não é admitido um funcionário que não tenha um curso de restauração/cozinha. Aquilo que as escolas hoteleiras têm conseguido trazer para o mercado tem sido de uma forma geral suficiente. Não temos necessidade de ir buscar outros profissionais a outras áreas. Comparativamente a outros sectores, há muita rotatividade. Os hotéis estão habituados a essa situação. Os hotéis, de uma forma geral, têm planos de melhoria profissional e acompanhamentos de formação próprios, e se não têm, as próprias associações fazem-no muitas vezes. Pensamos que é muito importante continuar com a política de formação, ainda que melhorando-a. ¶